O porquê de tanta giesta

Numa perspetiva histórica, o sucesso das giestas (Cytisus sp. pl. e Genista florida) nas paisagens atuais é, no mínimo, surpreendente. Há não mais de 50 anos as giestas eram de tal modo escassas que se semeavam nas terras pobres de Trás-os-Montes e da Beira Alta, no último ano de centeio, antes de um pousio alargado que alcançava, por vezes, uma década. A sementeira tinha o duplo objetivo de melhorar a fertilidade do solo (in loco e através da adição às camas animais e montureiras) e produzir lenho para queimar.

A explicação da expansão atual destes arbustos é multifatorial. Identificamos cinco causas prováveis. Duas delas são i) as plantações florestais a vala e cômoro, e ii) as fertilizações fosfatadas em solos marginais. A mobilização de solos para fazer floresta aumentou a espessura útil do solo, necessária às plantas de grande dimensão sob um clima mediterrânico ou temperado submediterrânico. Este fenómeno é evidente em Maio no Pinhal Interior. As giestas são evolutivamente próximas dos tremoceiros (Lupinus) e como eles, certamente, adaptadas a capturar o fósforo imobilizado pelo alumínio em solos ácidos. O stock de fósforo disponível nos solos de montanha para as giestas (mas não para outras plantas menos competentes) cresceu com adubações fosfatadas minerais quando, à custa de uma subida artificial dos preços, o cultivo do centeio e do trigo subiu as serras acima na primeira metade do séc. XX, ocupando solos marginais de pastagem. Sabe-se que as giestas respondem de forma exuberante ao fósforo.

A terceira e quarta hipóteses residem no desenho da copa (fisionomia) das giestas e no recente alargamento do período de retorno do fogo (por comparação com o fogo pastoril). Quem já viu fogo em giestas sabe que ardem de forma explosiva, num bruaá, com curtas interrupções cíclicas, i.e., o fogo em giestal avança aos solavancos. A causa está na estrutura da copa. As giestas possuem uma parte aérea de ramos delgados (de enorme combustibilidade na estação seca) que cedo se distancia do solo suportada, na base, por um curto tronco e pernadas grossos (pouco inflamáveis). Esta fisionomia afasta os combustíveis finos do solo, facilita a ascensão do comburente (oxigénio) durante o fogo e projeta a energia gerada pelas chamas em direção à atmosfera. Consequentemente, as giestas geram fogos de elevada intensidade e curto período de residência, em que a energia libertada não é suficiente para gerar elevadas temperaturas no solo ou à sua superfície. O avanço intermitente está certamente relacionado com o processo de secagem da copa com o avanço das chamas e a distribuição descontínua do combustível no espaço.

Que vantagens têm as giestas sob este padrão de fogo?

A temperatura à superfície do solo e, implicitamente, a severidade do fogo não dependem da intensidade da frente de fogo, normalmente medida em quantidade de energia libertada por metro linear de frente. Estão, sim, relacionadas com i) a distância dos combustíveis (finos) ao solo e ii) o tempo de residência do fogo. O fogo nas giestas tem muito em comum com o fogo das gramíneas nos pastos secos: é quente, rápido (entre as interrupções), intenso na copa, menos intenso à superfície do solo. Embora as giestas geralmente morram nos fogos de verão, as sementes tombadas no solo são, em larga medida, poupadas. Por outro lado, o fogo estimula a germinação das sementes das giestas, mais precisamente, quebra a dormência das sementes duras características deste grupo de arbustos. As plântulas vão usufruir de um nicho de regeneração melhorado, com poucos competidores, luz e a terra fertilizada pela cinza e pelas raízes em decomposição dos indivíduos parentais (recorde-se que as giestas são leguminosas fixadoras de azoto). No caso das gramíneas perenes, são poupados sementes e órgãos subterrâneos (ex. rizomas). Como se diz na bibliografia ecológica, as giestas e as gramíneas são engenheiras de habitats.

E como pode o alargamento do período de retorno do fogo beneficiar as giestas?

Várias hipóteses explicativas, outra vez. O fogo em ciclos curtos de recorrência é-lhes desfavorável. Se não vejamos. i) As giestas produzem semente tardiamente, a partir dos 3-4 anos; ii) as plantas jovens têm uma casca fina que as expõe ao efeito do fogo; iii) os giestais jovens ensombram pouco o solo e, ainda que pastoreados (com excepções), acumulam grandes massas combustíveis de gramíneas nas clareiras que põem em causa a sua sobrevivência perante o fogo (sobretudo se realizado durante a floração, no final de Abril, início de Maio).

Por outras palavras, o fogo pastoril com um curto ciclo de recorrência – em particular, os fogos de limpeza de pastagens tradicionalmente realizados em Setembro, depois da colheita de fenos e cereais, com as orvalhadas a caírem durante a noite – impedia que as giestas se reproduzissem e acumulassem sementes no solo. O fogo de verão em giestais maduros e altos, pelo contrário, dá tempo à reprodução sexuada e protege as sementes no solo e, por esta via, facilita a progressiva dominância das giestas nas nossas paisagens.

Quinta hipótese: efeito de massa. Entende-se por efeito de massa a dispersão de espécies e indivíduos de sítios com maior densidade populacional para sítios de menor densidade populacional. As giestas produzem anualmente massas significativas de sementes viáveis de dispersão balística (abertura explosiva da vagem), projetadas muitas vezes a mais de 5 m, arrastáveis pelas chuvas e deslizamentos de terra. Quanto mais sementes, maior a probabilidade de um evento raro de migração a longa distância e de colonização de um sítio vazio de giestas. Não cabe aqui explorar a argumentação ecológica, mas o efeito de massa permite a persistência em habitats a priori pouco favoráveis para as giestas e suplantar espécies em princípio mais competitivas.

As paisagens de Portugal continental encontram-se num momento perigoso. As giestas estão em franca expansão, há largos trechos de território adequados a estas espécies por colonizar, o regime de fogo atual é-lhes favorável e as giestas agravam os riscos de fogo de elevada intensidade no pino do verão (têm uma baixa ignibilidade e sustentabilidade do fogo na primavera) pondo em risco populações e haveres, com impactes ambientais detrimentais (aqui omitidos).

A montante das causas proximais da expansão das giestas antes elencadas estão o abandono rural (agricultura e pastorícia), a perseguição do fogo pastoril, a decadência de saberes rurais tradicionais, a dificuldade das agências públicas se adaptarem a novas realidades e a aversão ao fogo prescrito que perpassa a sociedade portuguesa.

Mas é como o fogo, façamos o que fizermos, não temos outro remédio senão aprender a coabitar Portugal com elas.

Carlos Aguiar, Avelino Rego, Duarte Marques, Marco Fernandes e Henrique Mira Godinho